quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Planos ignoram pressão para diminuir cesáreas

Nove em cada dez partos feitos por planos de saúde são cesáreas


Brasil ainda não sabe como reduzir quantidade de cesarianas e tentativas feitas até agora foram em vão. Prática só cresce no país. Tentativas feitas até agora foram em vão. Número de partos feitos desse modo só cresce no país

As mulheres com plano de saúde ajudam a elevar o índice de cesáreas no Brasil. O país tem uma das maiores taxas de parto cesariano do mundo, com atualmente 45%. Enquanto no Sistema Único de Saúde (SUS) 40% dos nascimentos são via cesáreas, na saúde suplementar este índice mais do que dobra, chegando a 90%.

Desde 2005, quando se descobriu que as mulheres com plano de saúde em quase sua totalidade faziam cesarianas, o governo federal e as entidades médicas se uniram para pressionar as operadoras a reduzir as taxas. Passados seis anos, pouca coisa mudou e, o pior, o Brasil até agora não sabe ao certo em qual frente deve trabalhar para reverter a situação, já que os fatores de escolha pelo parto cesáreo são múltiplos.

A ideia de que parto era algo para ser feito nos hospitais foi copiada dos Estados Unidos, mas lá as taxas de cesarianas chegam a 27%, bem inferiores ao Brasil. A Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere uma taxa de parto cesáreo de 25% para cada país. Com o intuito de acabar com as altas taxas, o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febras­­go), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e outras entidades médicas fizeram uma pesquisa com 3 mil médicos para tentar mapear as motivações pela escolha da cesariana e, assim, combatê-las. A pesquisa só será divulgada em novembro, mas, em entrevista, as entidades já adiantam alguns fatores observados.

Motivos

A questão mais óbvia desta diferença é que as atendidas pelos planos de saúde podem escolher livremente o parto que querem ter, e elas preferem o cesáreo por diversos fatores: pela comodidade, pela falsa ideia de que dói menos (na verdade, a recuperação da cesariana é bem mais dolorida), por medo de o parto normal machucar o bebê (se for feito corretamente, é inverídico) e, atualmente, pela violência urbana e a possibilidade de não haver vagas nas maternidades.

“Nas grandes cidades, mulheres e médicos têm preferido marcar a cesárea para evitar a surpresa de um parto normal na madrugada, colocando em risco o médico, a parturiente e o bebê, pois podem ser assaltados no trajeto até a maternidade”, ex­­plica a médica Lucila Nagata, membro da comissão de mortalidade materna da Federação Brasileira das Associa­­ções de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Além disso, o agendamento acaba sendo a garantia de que a mulher vai ter o filho no lugar escolhido previamente.

Indução

A grande reclamação das mulheres, porém, é de que os médicos induzem ao parto cesáreo. Elas dizem que os médicos fazem isso devido à cesariana ser mais cômoda para eles, afinal, este parto dura cerca de duas horas enquanto um parto normal pode durar 12 horas.

“Sempre quis ter normal, cheguei a entrar em trabalho de parto e o médico, no hospital, me disse que eu não tinha dilatação. Ele me pegou em um momento de fragilidade e afirmou que teria de ser cesárea pelo bem do bebê. Acabei cedendo, mas foi frustrante”, afirma a farmacêutica Halline Queiroz, que tem duas meninas, a Julia e a Laura.

A Julia nasceu de cesariana e a Laura de parto normal. “Na segunda vez, mudei de médico e ele me provou que o parto normal era possível. Ele derrubou o mito de que mulher que tem o primeiro filho de cesárea vai ter de fazer cesariana sempre”, conta.

Prematuridade aumenta e bebês vão para UTIs

O problema da escolha pela cesariana é cultural, segundo a gerente-geral de regulação assistencial da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Marta Oliveira. Para ela, não basta pressionar os planos de saúde para reduzir as taxas, “a mulher precisa aceitar o parto normal.”

Marta chama a atenção para o fato de as cesarianas serem literalmente agendadas, ou seja, a mulher nem chega a entrar em trabalho de parto e o bebê, por isso, acaba nascendo imaturo (com o pulmão ainda com líquido). “Se tivéssemos 90% de partos cesáreos e estivesse tudo bem, sem problemas. A questão é que temos a prematuridade aumentando e muitos bebês ficando em UTIs. Este tipo de consequência nos preocupa”, diz.

Mitos

Conheça algumas crenças sobre o parto normal que não são comprovadas pela Medicina:

Há muita perda de sangue

Na realidade, na cesariana se perde muito mais sangue.

A dor é muito forte

Na hora da cirurgia da cesárea a mulher não sente dor devido à anestesia, mas a recuperação é bem mais complicada e dolorida.

O bebê se machuca

Pelo contrário: a passagem pelo canal vaginal ajuda a criança a expelir os últimos líquidos, inclusive do pulmão, e isso evita a síndrome de angústia respiratória.

A relação é pior

Na cesárea, muitas vezes, o bebê vai para a incubadora. Segundo médicos, isso é extremamente prejudicial na relação da mãe com o filho. No parto normal o bebê é colocado imediatamente no peito da mãe para criar o vínculo maternal.

Reduz a libido

Ao contrário do que se acredita, o parto normal não diminui a libido.

Levantamento

Dinheiro gasto com cesarianas poderia ir para outras áreas

O Ministério da Saúde tem pesquisas que mostram o quanto de dinheiro foi usado desnecessariamente com cesarianas, mas os dados são internos e não podem ser divulgados à imprensa. A economista Tabi Thuler Santos, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais, defendeu recentemente uma dissertação onde trabalhou o tema Evidências de indução de demanda por parto cesáreo no Brasil e chegou à conclusão de que “há dinheiro gasto com cesáreas que poderia ser usado para investimento em outras áreas”. O custo de um parto normal pelo Sistema Único de Saúde é de R$ 291 e a cesariana custa cerca de R$ 402. O valor, no privado, pode variar conforme a operadora do plano.

“A cesariana é um procedimento cirúrgico que às vezes demanda UTI e antibióticos: é um problema de saúde e econômico”, diz. Tabi revisou a literatura e chegou a dois dados interessantes: o primeiro é a crença (errada) de que a mulher que tem o primeiro parto de cesariana precisa fazer os outros do mesmo modo. “Um estudo de São Paulo de 2002 revelou que 95% das mulheres com mais de um parto fizeram cesariana no segundo ou nos outros porque já haviam passado uma vez pela cirurgia”, diz. Outro dado, de 2009 (Rio de Janeiro), é de que apenas 37% das cesáreas no período foram uma escolha exclusiva da mulher, ou seja, a interferência do médico é grande.

O outro lado

Plano de saúde adere à campanha

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) lançou uma campanha intitulada Parto Normal está no meu plano com o intuito de incentivar as mulheres com planos de saúde a não optar pela cesariana. A reportagem entrou em contato com a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), com a Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde) e a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas) para saber qual o posicionamento das operadoras de planos de saúde sobre os altos índices de cesarianas na saúde suplementar. A única que atendeu à reportagem foi a Unidas.

Por e-mail, ela respondeu que faz pesquisas (está na 12ª edição) para verificar a adesão à cesariana e que tem percebido as altas taxas, por isso aderiu à campanha da ANS. Sobre os motivos das altas taxas, afirmou que é um problema cultural e o fato de os riscos da cesariana não serem levados em conta. A presidente da Unidas, Denise Rodrigues Eloi de Brito, ressalta que não há culpados pelas altas taxas de cesariana, afinal, “hoje o custo dela é equivalente ao do parto normal e, às vezes, até maior.” (Pollianna Milan - Gazeta do Povo-15.10)

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