A morte de um bebê recém-nascido há duas semanas em um hospital de Santos, no litoral paulista, chamou a atenção para um componente importante para o desfecho do caso - e que é cada vez mais comum: a desobediência dos planos de saúde a decisões judiciais. Na ocasião, uma liminar obrigava a transferência da criança, com grave problema no coração, para um hospital da capital, o que não ocorreu.
“Somente uma multa muito alta pode obrigar o plano a cumprir esse tipo de ordem”, desabafa a funcionária pública Helena Godoy. Ela é mãe de João Delfino de Godoy, que nasceu sem a glândula da hipófise, que provoca descontrole de peso. “Sem o medicamento de reposição hormonal ele engorda até com água”, diz. “Ele já passou dos 130 quilos. Com essa obesidade, outros problemas aparecem, como diabete, hipertensão, colesterol, além do desânimo.”
Helena ingressou com uma ação em agosto de 2012 para obrigar a Unimed Paulistana a custear o medicamento Norditropin Simplex. O juiz concedeu a liminar, o plano forneceu o remédio por dois meses, mas voltou a interromper a entrega. A solução foi pedir empréstimos que já totalizam R$ 3,5 mil. “Essa situação se tornou um pesadelo porque meu filho vai precisar desse medicamento para a vida toda. Não cumprir uma ordem judicial é um absurdo.”
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Para a advogada especializada em planos de saúde Renata Vilhena Silva, “apesar das multas que os juízes aplicam, tem havido dificuldade para que a medida judicial seja cumprida, o que é um fenômeno recente”. “Eu não sei se o problema é o valor da multa [de R$ 1.000 por dia em média] ou o aumento das demandas judiciais. Talvez a banalização dessas liminares tenha acostumado as operadoras. Só no meu escritório há 10 casos como esse.”
Renata cita o caso da dona de casa Tereza Cristina do Nascimento, que precisou recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS) para curar um tumor. Ela iniciou o tratamento pelo convênio do marido, mas precisou interrompê-lo quando a empresa mudou para o plano do Hospital Samaritano de Campinas, que se recusou a prosseguir com a terapia mesmo depois de um juiz determinar o contrário.
Reprodução/Arquivo pessoal
Dona Vilma de Fátima precisa de remédios que custam R$ 8 mil a caixa
Quem também recorreu à Justiça foi a funcionária pública Vilma de Fátima, que precisa ministrar um remédio que custa R$ 8 mil a caixa, suficiente para uma semana de tratamento de um câncer no cérebro e no mediastino, uma das cavidades do tórax. Após a recusa do convênio e órgãos públicos em ministrar o remédio, uma liminar obrigou o Hospítal do Servidor Público Estadual a fornecer do Zelboraf. “A decisão saiu no dia 18 de abril, mas só entregaram as caixas no dia 21 de maio. Ficou faltando uma, mas ninguém se responsabiliza. Espero que eu não precise entrar com uma petição todo o mês para garantir o recebimento do remédio”, diz ela.
A briga com a Unimed Paulistana deu um pouco menos de trabalho ao publicitário Pedro Oliveira, diagnosticado com linfoma no couro cabeludo. “Ao decidir pelo tratamento com o oncologista clínico, optei por uma droga recente chamada Mabthera. O convênio negou o fornecimento ao dizer que o tratamento era experimental, mas consegui uma liminar no mesmo dia. Eles liberaram a droga 24h depois, ou teriam de pagar uma multa diária de R$ 3 mil.”
No topo
Embora o Tribunal de Justiça de São Paulo não tenha estatísticas sobre o número de liminares ajuizadas contra planos de saúde, o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) paulista contabilizou mais de 11 mil reclamações contra convênios médicos em 2012.
Já o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) afirma que os planos voltaram ao topo do ranking de queixas em 2012 depois de um ano na segunda colocação: eles respondem por 20,4% das demandas, seguido pelo setor financeiro (15,6%), produtos (12,4%) e telecomunicações (10,7%).
“A negativa de cobertura é o problema mais relatado”, garante a advogada do instituto, Joana Cruz. Ela garante que os dez procedimentos com maior número de queixas, como negativa de cobertura ou descredenciamento de prestadores, são “duplamente cobertos”: “Eles são citados pelo hall de procedimentos da ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar] e pela Lei dos Planos de Saúde (9656/98). A liminar é a terceira confirmação. Ela só reconhece o que está na lei, o que já deveria ter sido cumprido.”
Do hospital onde concedeu a entrevista, Vilma lembra que “quem sofre de câncer não tem 15 ou 20 dias para esperar. O tratamento tem de ser na hora”. “Entrei com toda a papelada administrativa, mas a única forma de me atenderem seria por ordem judicial. Eu tenho condição de pagar um advogado, mas e quem não tem essa condição? O câncer não é uma gripe, tem de correr, o tratamento não pode ser interrompido. Eu fico muito triste ao notar que, se quiser prolongar a minha vida, eu terei de conseguir isso por vias judiciais.”
Respostas
Segundo a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa 15 grupos empresariais de planos de saúde responsáveis por cerca de 24,4 milhões de beneficiários, “o aumento crescente das demandas judiciais se deve, em muitos casos, ao desconhecimento sobre a legislação e contratos, além da busca por determinadas coberturas não contratadas, causando desequilíbrios no funcionamento do sistema. Quase sempre, nas decisões liminares, os juízes pendem para o lado do consumidor sem examinar esses aspectos. Desta forma, deixam às\s operadoras a única alternativa de recorrer da decisão. Segundo a nota da FenaSaúde, esse procedimento ainda impacta no reajuste das mensalidades: "Esse desfecho tem alto preço para a sustentabilidade do sistema".
Sobre o caso da funcionária pública Vilma de Fátima, que precisa do medicamento que custa R$ 8 mil, o Iamspe informou que apesar do Zelboraf não fazer parte da lista padrão oferecida pela farmácia ambulatorial do hospital "o Instituto providenciou a compra do medicamento para a senhora Vilma de Fátima, garantindo o tratamento que havia sido prescrito por um médico fora da rede credenciada, um procedimento que não é padrão. A compra e entrega de medicamentos está sujeita a fatores externos como disponibilidade de pronta entrega por parte do fornecedor. A paciente recebeu medicação suficiente para três semanas de tratamento. Uma nova entrega está prevista para a semana que vem." A Unimed Paulistana não respondeu às questões enviadas pelo iG .
Fonte :IG
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