terça-feira, 23 de outubro de 2012

Estagiária que injetou café com leite em veia de paciente admite que não tinha preparo

A estagiária que injetou café com leite na veia de uma paciente admite que não tinha preparo. O erro dela custou a vida de uma senhora de 80 anos. Há um ano, o Fantástico denunciou a formação deficiente e as más condições de trabalho de muitos desses profissionais, uma realidade que pouco ou nada mudou até agora. “Injetei o leite e botei pelo lugar errado”, afirma Rejane Telles. Era seu terceiro dia de estágio para ser técnica em enfermagem. Fantástico: Alguma vez você tinha realizado algum tipo de procedimento, nem que fosse como treinamento, como dar injeção, esse tipo de coisa? Rejane: Não. Fantástico: Nunca? Rejane: Nunca. Mesmo assim, Rejane Telles, junto com outra estagiária, fez um procedimento que sabia que não podia fazer, provocando a morte de uma senhora de 80 anos. Dona Palmerina comemorou muito seu último aniversário há menos de três meses. Chegou aos 80 se sentindo vitoriosa. Longo caminho desde que, analfabeta, tinha ficado viúva aos 40 anos, com 16 filhos pra criar. “Minha mãe lavava roupa, costurava para fábrica, levava a gente para escola e lutou por nós. Nenhum filho ficou sem estudar, alguns são formados. A dificuldade era tão grande que aquela que estudava de manhã utilizava o material daquela que estudava de tarde”, conta Loreni Ribeiro. Desde que a mãe morreu, os filhos se reúnem todos os dias na casa onde ela plantou um jardim e cultivou uma família que permanece unida diante de muitas adversidades. A última foi a doença, que chegou pouco depois da festa de aniversário, uma pneumonia que se complicou e levou a duas internações hospitalares. A última foi no posto de atendimento médico de São João de Meriti, na Baixada Fluminense. A filha Loreni estava com a mãe, quando chegou a hora de dona Palmerina receber alimentação por sonda. “A alimentação que a gente chama de sonda, a alimentação enteral é decorrente de um problema que a pessoa não consegue se alimentar pela boca”, explica o especialista em terapia nutricional do Hospital Antonio Pedro, Armando Porto Carreiro. Um tubo inserido pela boca ou pelo nariz conduz o alimento diretamente para o estômago ou intestino, dependendo do caso. As estagiárias injetavam o alimento quando Loreni percebeu que alguma coisa estava errada: “Eu vi minha mãe se debater, buscar o fôlego no ar. Ela abria e fechava a boca. A menina colocou meio copo de café com leite na veia da minha mãe”. O café com leite foi direto para o coração e pulmão, e ela parou de receber oxigênio. Foi um procedimento desastroso, comandado por uma estagiária que ainda nem se formou no curso técnico de enfermagem Fantástico: Você tem consciência do risco que é injetar intravenoso o que deve ser uma alimentação oral? Rejane: Tenho. Fantástico: Você sabia o risco que havia de injetar no lugar errado? Rejane: Sabia, mas, como estava junto, qualquer um se confunde. Porto Carreiro discorda: “É bastante fácil de diferenciar um do outro. É difícil você confundir. A sonda de alimentação enteral é de material diferente, muito mais calibrosa que o catéter venoso profundo. E a conexão, tanto de uma quanto de outra, são bastante diferentes”. Fantástico: Não te passou pela cabeça chamar a supervisora e dizer 'olha, eu não estou com segurança sobre qual é qual aqui'? Rejane: Me passou pela cabeça chamar. Sendo que a outra menina, que estava do meu lado, falou que sabia e que ia me ensinar. A outra é Luciana Carvalho, que estava no primeiro dia de estágio. Elas sabiam que, por lei, estagiários não podem aplicar medicação na veia ou alimentos via sonda e afirmam que, mesmo assim, obedeceram à ordem que teria sido dada pela técnica em enfermagem Rayane da Silva Inácio. Rejane: Ela falou, para mim e para outra estagiária que estava do meu lado, para ir fazendo os procedimentos, mas não deu explicação nem de que e nem como. Fantástico: E onde estava a técnica em enfermagem quando tudo isso aconteceu? Rejane: Continuou sentada no posto de enfermagem, jogando no celular ou brincando no celular. “Eu estou convencido que elas receberam uma ordem para fazer. Mas no curso, durante o curso e pelo supervisor da escola, também foi dito que elas não poderiam fazer sem a supervisão”, afirma o delegado da Polícia Civil do Rio Alexandre Ziehe. Até agora, a polícia indiciou quatro pessoas por homicídio culposo, quando não há intenção de matar: as estagiárias Rejane e Luciana e as técnicas de enfermagem Rayane e Adriele da Silva. Os erros cometidos são comuns. Duas semanas atrás, dona Ilda Maciel, de 88 anos, morreu num hospital de Barra Mansa, no estado do Rio, depois de ter recebido sopa na veia, injetada por uma técnica. “Foi um erro muito grande. Isso não podia ter acontecido de jeito nenhum. Se ela fez isso com a minha mãe, ela faz com mais pessoas”, afirma Rute Maciel, filha de dona Ilda. Em São Paulo, Bruno, de 2 anos, está com a vida por um fio. No mês passado, ele deveria ter recebido um sedativo para se acalmar na hora de fazer um exame, mas o que deram para ele tomar foi um ácido usado na remoção de verrugas. Isso também aconteceu com Letícia, de 4 anos, neste mesmo hospital da região metropolitana de São Paulo. “Ela não chegou a ingerir. Se tivesse ingerido, ela estaria igual ao Bruno”, diz Patricia da Silva, mãe de Letícia. A menina conseguiu cuspir o ácido. Escapou das lesões internas, mas ficou toda queimada. Um ano atrás, uma reportagem do Fantástico mostrou vários casos de erro de enfermeiros e técnicos em enfermagem. Em São Paulo, a menina Ana Clara tomou ácido em vez de sedativo neste hospital, que alega ter prestado toda a assistência à menina e à família. Os pais entraram na justiça. E a enfermeira que administrou o ácido chegou a ser afastada, mas já voltou a trabalhar. A reportagem mostrou também o erro que matou dona Maria Laurentino em Missão Velha, no Ceará. A técnica Socorro Ribeiro foi afastada, mas continua a receber o salário, enquanto aguarda o julgamento por homicídio culposo. “Os erros acontecem. Não é só responsabilidade do profissional. Temos que considerar todos os problemas que existem dentro do sistema de saúde”, afirma a presidente do Conselho Federal de Enfermagem, Marcia Cristina Krempel. Um desses problemas denunciados pelo Fantástico é o da formação profissional. Um curso técnico na mesma cidade cearense não tinha laboratório, o que não é permitido. Um ano depois, ele continua funcionando sem autorização. Segundo o Conselho Estadual de Educação, o curso será denunciado ao Ministério Público. Fantástico: Você acha que você é uma pessoa preparada pra cuidar da saúde dos outros? Rejane: Agora, eu vejo que não. Mas, neste sábado (20), Rejane voltou a frequentar as aulas do curso técnico de enfermagem. Por telefone, o diretor da escola, que se identificou apenas como Sérgio, disse que ela é uma excelente aluna e que vai receber o diploma ao fim deste ano. Fantástico: Você esta revoltada com o que aconteceu? Loreni: Não. Se os olhos delas fecharam dessa forma, com certeza foi para que houvesse uma grande mudança. A gente não tem o plano, mas a gente tem onde ser socorrido. Então que seja um bom socorro. Assisa o vídeo:http://tinyurl.com/9gtpeuq Fonte :FANTASTICO.

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