RIO — Além do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad (Into), outro federal de referência, o Instituto Nacional do Câncer passa por momentos de agonia. Há uma semana, o representante comercial Maricélio Alfradique, de 59 anos, esteve na unidade da Praça da Cruz Vermelha, no Centro, para remarcar uma cirurgia. Acompanhado pela filha, ele chegou à sala de espera em cadeira de rodas, sentindo muitas dores no abdômen, em consequência de um tumor no estômago. Em abril, a previsão era que ele fosse operado este mês. Durante a espera, Alfradique foi ao Inca três vezes para tentar antecipar o procedimento. De nada adiantou. No fim de julho, sua saúde piorou. Debilitado e com a imunidade baixa, por ter passado por quatro sessões de quimioterapia, ele contraiu pneumonia e a cirurgia não pôde ser marcada. Alfradique morreu na madrugada da última quarta-feira, após esperar por mais de cem dias pela cirurgia no Inca.
— A espera de mais de três meses pela cirurgia matou meu pai. A culpa não é dos médicos do Inca, mas do tempo de espera — afirma Carolina Alfradique, de 27 anos.
O caso de Alfradique (que repórteres do GLOBO acompanharam na semana passada) ilustra a atual situação do Inca, que enfrenta uma crise devido à falta de funcionários das áreas médica e administrativa. Segundo fonte ligada a um órgão de saúde federal do Rio, há cerca de 500 vagas aguardando preenchimento nas três unidades do Inca (Praça da Cruz Vermelha, Santo Cristo e Vila Isabel). O déficit tem impacto direto no atendimento. Na unidade do Centro, das dez salas de cirurgias, duas estão fechadas por falta de médicos. Em 2013, lá foram realizados cerca de 5 mil procedimentos. Caso pudesse contar com mais profissionais, o número chegaria a 6 mil. Outro problema é a falta de servidores nas salas de leitos pós-cirúrgicos. Com a escassez de funcionários, cinco vagas estão desativadas.
— O Inca faz o máximo. Os médicos cumprem 40 horas por semana e ganham salário muito abaixo da média. A taxa de ocupação está acima dos 80%, número alto para instituição pública. A crise é grave e compromete o hospital — diz a fonte.
TCU DETERMINOU FIM DA TERCEIRIZAÇÃO
Para tentar sanar a antiga falta de funcionários, em 1991 foi criada a Fundação Ary Fauzino para Pesquisas e Controle do Câncer (FAF), para agilizar a contratação, sem a necessidade de concurso público. Mas, em 2006, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o sistema fosse extinto. Na época, houve acordos que estenderam o prazo até março de 2015.
Em 2010, havia cerca de 1.900 trabalhadores terceirizados no Inca, indicados pela FAF. Para se adequar às normas do TCU, a instituição realizou um concurso e convocou 1.433 funcionários, que substituíram parte dos terceirizados. Atualmente, ainda há 583 profissionais não concursados, que cederão suas vagas aos aprovados em concurso previsto para este ano. Segundo um funcionário da instituição, que pediu para não ser identificado, a situação pode ficar pior ainda:
— Como a partir de março de 2015 o Inca não poderá contar com a FAF, o processo seletivo deste ano vai apenas substituir quem já está trabalhando. Ninguém tem a resposta de como ficarão as 500 vagas que estão abertas. No fim do ano serão cerca de 600. Com a morosidade do governo federal em abrir concursos para o Inca, a situação vai piorar. O instituto pode fechar as portas se algo não for feito.
DIRETOR-GERAL ESTÁ SENDO PROCESSO
Para o Presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, Jorge Darze, a evasão de médicos é devida às condições de trabalho pouco atrativas:
— É difícil segurar um profissional no Inca, mesmo concursado. O salário para uma jornada de 40 horas mensais é muito baixo, se comparado ao de uma unidade particular. Muitos médicos concursados pedem demissão em menos de dois anos, porque não aguentam. Há outro fator: hoje, o Inca tem médicos que entraram pela FAF que recebem salário maior do que os concursados.
No mês passado, o Ministério Público Federal moveu ação de improbidade administrativa contra o diretor-geral do Inca, Luiz Antônio Santini Rodrigues da Silva, por contratação irregular de terceirizados. O MPF alega que, mesmo proibido, o Inca contratou 64 funcionários sem concurso. Também está sendo processada a coordenadora de Recursos Humanos, Cassilda dos Santos Soares.
— A direção tem permissão para manter terceirizados até o ano que vem, mas não pode contratar ninguém sob o mesmo regime. A ausência de concurso permite que um candidato assuma uma vaga sem méritos. Isso não é permitido — alega o defensor público Sergio Suiama, autor da ação do MPF.
De acordo com o defensor público federal, Daniel Macedo, outro problema grave é que o Inca não está cumprindo o prazo máximo de 60 dias para atender pacientes que precisam passar por sessões de radioterapia:
— Acima de 60 dias é um prazo muito longo para quem precisa do tratamento imediato. A situação no Inca está ruim, mas, nas outras unidades de saúde do Rio que oferecem radioterapia, é pior ainda. Ou o doente espera na fila do Inca ou a chance de morrer aumenta.
Procurado, o diretor-geral do Inca não quis dar entrevista, mas a assessoria afirmou que todos os setores funcionam normalmente. O Ministério da Saúde também não respondeu como pretende suprir as 500 vagas em aberto. A Associação de Funcionários do Instituto Nacional do Câncer também não retornou as ligações.
Enquanto isso, quem depende do atendimento do Inca tenta manter a esperança de cura. Tatiana Silva aguarda a marcação da cirurgia da irmã para retirar um tumor no estômago:
— A informação é que a fila está grande. Precisamos aguardar porque quando somos atendidos, os médicos são muito competentes e conseguem curar os doentes. Segundo o Inca, minha irmã será operada em até dois meses.
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