segunda-feira, 25 de abril de 2011

Faltam pediatras em hospitais e postos públicos do país

A explicação para faltar mais pediatras do que outros médicos começa nas faculdades: os alunos de medicina estão desistindo da pediatria.



Toda mãe, todo pai, até uma criança sabe o valor do pediatra. E todo mundo é capaz de imaginar o drama de não ter este médico quando mais se precisa.

A busca desesperada por um médico especialista em crianças, o pediatra, virou situação comum em todo o país. Porque, no Brasil, hoje, faltam pediatras. Em 1996, 13,6% dos médicos eram pediatras. Hoje, 9,8%.

A explicação para faltar mais pediatras do que outros médicos começa nas faculdades: os alunos de medicina estão desistindo da pediatria.

“Até uns dez anos atrás, um quarto dos cem alunos de cada turma da santa casa tinham essa preferência, pediatria. No correr do último decênio, nós notamos que houve uma queda no interesse, conta o pediatra Júlio Toporovski.

Ele atende em consultório e também na Santa Casa de São Paulo, onde, há 40 anos, é professor na residência em pediatria. A residência é um curso prático, feito depois dos seis anos obrigatórios de medicina. Referência na área, Doutor Julio sabe que o problema de falta de pediatras é nacional.

“Na minha turma só eu fiz pediatria, de 50 alunos”, diz a residente de pediatria Karina de Oliveira.

Com a diminuição da procura da pediatria, nós fomos perdendo bolsas. Então hoje nós temos 10 vagas, mas só seis bolsas, explica José Eduardo Bueno, coordenador de pediatria da PUC/Sorocaba.

O número de inscritos para a prova nacional que dá o título de pediatra depois de feita a residência caiu 42% nos últimos 12 anos.

“Se nós não fizermos nada hoje, nós não teremos pediatras no futuro”, alerta Gloria Barreto Lopes, presidente da Sociedade Sergipana de Pediatria.


No estado de Sergipe, existem dois hospitais que oferecem residência em pediatria, mas neste ano nenhuma vaga foi ocupada. Em um deles, por falta de residentes, o atendimento às crianças já está sendo prejudicado.

Em Divinópolis, Minas Gerais, o maior hospital da cidade fechou o pronto-atendimento infantil há cinco meses.

“Nós necessitamos de sete profissionais para cumprir uma escala semanal. No mês de outubro estávamos contando apenas com três profissionais. Não foi possível mantê-lo aberto”, conta Alair Rodrigues, diretor do Hospital São João de Deus, Divinópolis/MG.

No Hospital Juscelino Kubitschek, em Nilópolis, bem perto do Rio de Janeiro, a placa já avisa as mães: não há pediatra após as 18h. Por "problemas técnicos". O diretor-administrativo João Faria Moreira explica que problemas são esses.

“A médica de quinta-feira pediu exoneração. Na Baixada Fluminense, infelizmente, é muito difícil você achar pediatra. É muito grande a procura. Se eu pegar as fichas ali você vai ver que hoje a gente atendeu 300 crianças. E nós temos três pediatras de dia e três pediatras de noite”.

De onde se conclui que, no turno do dia, até as 18h, cada pediatra do hospital atendeu 100 crianças. Ou uma criança a cada sete minutos.

As equipes do Fantástico percorreram o Brasil de norte a sul. De Pernambuco ao Rio Grande do Sul. E a situação é sempre a mesma. Faltam médicos para atender as crianças. Mas por quê? Por que tantos pediatras estão pedindo demissão? E por que os estudantes de medicina não querem mais saber dessa especialidade?

“Meu pai é cirurgião-geral. Por ele, eu não faria pediatria. Então eu não sofri influência de ninguém, porque ele falava: ‘Filha, você vai morrer de fome’”, relata a residente Marcela Romangneli.

Contra a carreira de pediatra, conta também o fantasma dos telefonemas a qualquer hora do dia ou da noite.

“Eu procuro ligar sempre, antes de dar qualquer coisa. Eu acho que eles preferem que ligue”, acredita a mãe Andrea Sirolin.

A repórter pergunta se o Dr. Toporovski concorda: “Eu prefiro que não liguem, mas faz parte da profissão. É uma consulta, 200 telefonemas”, brinca o médico.

E as ligações fora de hora são apenas uma das razões. “O pediatra trabalha muito, recebe telefonema em casa, tem que estar à disposição da família. E ganha pouco”, Ricardo Gurgel, vice-presidente da Sociedade Sergipana de Pediatria.

O médico Eduardo da Costa e Silva, de 37 anos, desistiu rapidamente da pediatria. Encarou mais dois anos de nova residência e virou radiologista - faz laudos de exames de imagem e quase não tem lida com pacientes.

“Agora, para ganhar o mesmo, eu trabalho menos. Eu não trabalho dando plantão. Tenho horário mais ou menos fixo, de segunda a sexta, sei mais ou menos a hora que vou sair para casa, sei a hora que vou entrar no trabalho. Não é o dia-a-dia do pediatra comum”.

“O aluno quer uma coisa cada vez mais especializada. Ele gosta da tecnologia. Ele quer que trabalhe com as especialidades que tenham procedimentos, porque isso leva a uma melhor remuneração”, conta Jucille Meneses, presidente de Pediatria de Pernambuco.

Procedimentos são exames, cirurgias, ações pagas à parte. Na pediatria, tudo isso é raro. O dia-a-dia é feito só de consultas. E consultas demoradas.

“A criança não te diz o que sente, muitas vezes. É um trabalho de detetive. Você olha para ela entrando, olhando, vendo e tal, a mãe te dá uma noção. Você precisa ter paciência e ir juntando as pecinhas pra conseguir chegar a um diagnóstico”, afirma a pediatra Daniele Castro.

“Não vale a pena fazer consultório ganhando o que esses planos e seguradoras de saúde pagam”, reconhece Jucille.

“Muitos pediatras fecharam o consultório, foram dar plantão na emergência”, lamenta Eduardo da Silva Vaz, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Mas essa fuga para as emergências, que pagam melhor, não garante um número suficiente de pediatras nos pronto-socorros.

O Ministério da Saúde fez uma pesquisa em 2008 com diretores de hospitais públicos para saber para qual especialidade é mais difícil encontrar profissionais. Deu pediatria em primeiro lugar.

“A gente tem mais dificuldade de conseguir contratar o profissional pediatra do que outras especialidades da área médica”, confirma Hans Dohmann, secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

Um hospital-geral como o de Itambé, no interior de Pernambuco, deveria ter sempre um pediatra de plantão. Não tem.

“Seria o ideal ter todos os dias. Mas, todos os dias, temos dois médicos no plantão. às vezes um é pediatra e o outro não. Às vezes nenhum dos dois é pediatra”, comenta Sime Macedo Cavalcanti, coordenadora de saúde de Itambé/PE.

No posto de saúde ao lado, onde também é obrigatória a presença de um pediatra, só há especialistas na segunda-feira.

“A gente olha a porta e vê em torno de 50, 60 crianças, 60 mães esperando. A gente tem que atender em cinco, 10 minutos, no máximo. É triste, porque a gente gostaria de fazer um atendimento mais adequado. Só se realmente a pessoa gostar muito, tiver o sonho de ser pediatra, ela vai insistir e fazer, porque a realidade é difícil”, reconhece a pediatra Andréia Maria Galvão.

Nos postos de saúde da família, o correto seria ter pelo menos um médico. Um deles em Goiânia, não tem.

Repórter: Quando chega criança pequena aqui com problema, o que é feito?
Atendente: É o enfermeiro-chefe quem atende. E quando é um caso de urgência, hospital.

De acordo com uma pesquisa encomendada pela Sociedade de Pediatria, 30% dos atendimentos de rotina a crianças e 43% dos de emergência são feitos por não-pediatras.

“As crianças da rede pública estão sendo privadas de um direito que elas têm de ser atendidas por um profissional capacitado”, adverte Eduardo da Silva Vaz.

“Está havendo uma carência de pediatras, é notória essa carência. Então, de acordo com a lei da oferta e da procura, o salário, a remuneração, dos pediatras começou a ser mais importante”, constata Dr. Julio.

O prognóstico dele começa a se realizar. Muitos pediatras já enxergam uma mudança positiva: a abertura de mais vagas em plantões. E um salário melhor.

“Eu recebi algumas propostas de emprego nesse tempo mais ou menos umas três e aceitei uma”, relata Luciana Pinheiro.

Quem se dedica à pediatria espera que essa recente valorização anime os jovens médicos a cuidar das crianças brasileiras.

“Quando o paciente entra, por exemplo, na sua sala. Ele entra chorando, sem querer ser atendido. E você começa a conversar e daqui a pouco aquela mesma criança já está rindo pra você e volta dali a duas semanas melhor do problema que ela tinha no início. Isso é muito gratificante”, conta um pediatra.

A pernambucana Danielle está em um plantão de 24 horas. Exausta, mas feliz. “A resposta é muito boa. Eu estou aqui atendendo, aí eu mando o menino, eu mando nebulizar. Quando ele volta, ele já volta melhor, já volta correndo, querendo brincar, querendo pegar meu estetoscópio. Eu adoro, eu não faria outra coisa na minha vida”, conta.

“O pediatra é um indivíduo, um médico que faz parte do exército das crianças. Pediatra, na prática e na teoria, deve ser um soldado deste exército de maneira incondicional”, resume o Dr. Julio Toporovski.

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